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terça-feira, 31 de maio de 2016

Da tourada política à nomeação de Baciro Djá, passando pela barricada do Governo demitido

Ilustres leitores, neste post começo por esclarecer o significado do conceito de tourada política, que tem marcado a sociedade guineense ao longo da sua história (primeiro ponto). Em seguida, abordo cinco pontos que marcam a actualidade política na Guiné-Bissau: a tomada de posse de Baciro Djá (segundo ponto); a barricada dos membros do Governo demitido (terceiro ponto); a viagem e declarações de Domingos Simões Pereira «DSP» (quarto ponto); a posição delicada de Biaguê Nan Tan, Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas «CEMGFA» (quinto ponto); e a geoestratégia/realpolitik entre os países da sub-região e as Nações Unidas «NU» (sexto ponto). Termino com alguns conselhos aos principais actores deste xadrez político.



 Primeiro ponto. Tourada política é um termo utilizado na minha tese de doutoramento e na minha obra a partir da semelhança com as práticas ancestrais em que o animal «touro» é castigado e torturado até ao limite. Na política, este termo pode ser importado e adaptado, significando a prática de actos pouco adequado aos princípios democráticos contra uma pessoa «político». Isto envolve diversos tipos de ataque, nomeadamente, humilhações, injúrias e até violência física (perseguição, espancamento, prisão/detenção, tortura, expulsão do país e morte). Infelizmente, este não é um problema de hoje – ao longo da história da Guiné-Bissau, quase todos os guineenses sofreram directa ou indirectamente com a tourada política. Este é um problema muito sério que deve ser combatido urgentemente, de todas as formas possíveis. Mas há esperança porque, de acordo com alguns estudos, o touro poderá até ser um animal pacífico, se não for incomodado.
    Segundo ponto. O Presidente da República «PR» José Mário Vaz «Jomav» deu posse a Baciro Dja como novo Primeiro-Ministro «PM», nove meses depois de o mesmo ter sido obrigado a renunciar ao cargo por imposição do Supremo Tribunal de Justiça «STJ». Ao intervir, o novo Chefe do Executivo guineense reiterou que “a legitimidade do Governo decorre de uma maioria parlamentar e da responsabilidade perante o PR. Sem estas duas condições não há o regular funcionamento das instituições". Jomav considerou o dia "inesquecível" e justificou a sua decisão com o facto de que "só a segunda força mais votada no âmbito da dinâmica parlamentar" conseguiu ultrapassar o "bloqueio" na Assembleia Nacional Popular «ANP» (Voz daAmérica, 27-05-2016).
     Tal como está patente no discurso de Baciro DjáJomav tomou a sua decisão com o fundamento da perda da maioria absoluta da parte do PAIGC. Esta perda de 15 Deputados expulsos/retornados dá uma nova maioria ao PRS, que tem 41 Deputados. Este Governo de Incidência Parlamentar «GIP» é Constitucional tanto em Portugal como na Guiné-Bissau, tendo em conta que cabe ao PR apenas proporcionar as condições de aproximação entre os partidos políticos, favorecer eventualmente acordos parlamentares, mas nunca patrocinar soluções governativas à margem do Parlamento e sem o aval dos partidos representados no Parlamento. No caso português, embora de contornos diferentes, o partido vencedor das eleições (PSD/CDS) não tinha uma maioria parlamentar. Por isso, um acordo entre todos os outros partidos permitiu formar um Governo alternativoDe acordo com o modelo em vigor, não basta vencer as eleições legislativas, mas é preciso garantir os votos adequados no Parlamento, para que se possa governar (CRGB, 1996: arts. 62.º-104.º; Jornal de Notícias, 25-11-2015; Novais, 2010: 73-121, 461- 463).
Como eu tinha anunciado anteriormente, a nomeação de Baciro Djá parece estar relacionada com uma retribuição pelos serviços que prestou a Jomav e para o compensar face aos seus problemas com DSP. Se DSP tivesse reagido da mesma forma que Cadogo Jr. reagiu após a nomeação do seu grande rival, Aristides Gomes pelo ex-PR Nino Vieira, talvez estivesse numa melhor situação. O tempo que o Governo de Carlos Correia durou, poderia corresponder à duração da primeira nomeação de Baciro Djá. Findo este período, poderia ser substituído de forma mais pacífica por alguém da confiança de DSP ou ficar em gestão até à realização de novas eleições (que seriam, eventualmente, antecipadas). Nessa altura, Cadogo Jr. foi muito inteligente na sua forma de lidar com as pressões de Nino Vieira, acabando por colher os frutos desta moderação.
Independentemente de tudo, dou as boas vindas a Baciro Djá enquanto PM empossado, porque defendo, como sempre, que “a cor do gato não importa, desde que apanhe o rato”. Ainda é cedo para falar do seu Governo, mas os guineenses ficarão à espera para avaliar a sua actuação.
Terceiro ponto. Entretanto, os membros do Executivo demitido barricaram-se no Palácio do Governo, em protesto contra a nomeação pelo PR do novo PM. Agnelo Regalla, ex-ministro da Comunicação Social, afirmou que "foi uma decisão assumida colegialmente e todos estão aqui para salvar a democracia: na última das circunstâncias haverá dois Governos, um legítimo e outro ilegítimo", referiu. Agnelo Regalla acusa o PR de querer dar posse a um Governo que sabe não ter suporte político para depois "dissolver o parlamento" e manter em gestão um executivo "à sua imagem", em vez da equipa de Carlos Correia (Diário de Notícias, 27-05-2016).
      A decisão de Jomav é compreensível mas não convence as pessoas de que Baciro Djá seja uma figura de equilíbrio, razão pela qual estamos a assistir a um agravamento do clima de tensão no PAIGC e na sociedade guineense. Do meu ponto de vista, Jomav prefere ter um Governo de alguém da sua confiança em gestão do que ter um Governo da confiança de DSP.
Esta barricada levanta duas questões: porque razão os ex-membros de Governo não se barricaram quando Carlos Correia foi demitido? Por que razão escolheram precisamente o Palácio do Governo para se barricarem? Na minha opinião, este protesto teria mais impacto se tivesse ocorrido imediatamente após a demissão do Governo. Esta forma de barricar depois da nomeação de Baciro Djá levanta suspeitas, tal como foi avançado por outros blogues, que o objectivo é a destruição de provas antes da chegada de um novo Governo ao Palácio. E, não podemos esquecer que o Governo demitido, assim como a ala pró-DSP, beneficiam do apoio de parte dos veteranos de guerra, entre os quais Carlos Correia e Manuel "Manecas" dos  Santos. O Palácio do Governo está localizado num ponto estratégico, junto a um importante quartel militar (desde a época colonial até hoje) que foi ocupado pela Junta Militar de 7 de Junho de 1998. Nesta linha de pensamento, para evitar problemas ainda maiores, quanto mais rápido terminar esta barricada, melhor será. Já foram veiculadas informações sobre uma possível tentativa de Golpe de Estado, o que causa grande preocupação. É a primeira vez que algo deste género acontece, passando uma má imagem dentro do país e para o exterior.
Quarto ponto. DSP regressou a Bissau depois de ter estado em Dakar com o presidente em exercício da CEDEAO, o PR senegalês Macky Sall. DSP fez um périplo pela sub-região africana, durante o qual abordou a situação política à luz da decisão do PR Jomav de nomear pela segunda vez Baciro Djá como PM.
DSP reiterou sem rodeios, que Jomav violou a Constituição por não ter auscultado os partidos com assento parlamentar nem o Conselho de Estado, deixando clara a sua intenção quanto a um eventual recurso ao tribunal. Ainda, elogiou a atitude dos membros do Governo demitido que se encontram barricados, considerando-a um acto de resistência (RFI, 29-05-2016).
     Embora os elementos da polícia anti-motim tenham entrado no Palácio do Governo, os membros do Governo de Carlos Correia mantêm-se irredutíveis, e dizem que só abandonam o local à força (RFI, 30-05-2016).
Os argumentos de DSP parecem bastante válidos, contudo, há um ponto que mina a sua credibilidade: o facto de não ter cumprido a decisão do STJ sobre a readmissão dos 15 Deputados expulsos/retornados, faz com que ele tenha pouca moralidade para dizer que o PR não cumpre a Lei. O elogio feito ao Governo barricado também não é adequado – DSP deve assumir uma postura de demarcação face àqueles actos, porque o Governo de Carlos Correia também foi nomeado e não assistimos a este tipo de contestação. Quantos Governos já foram nomeados na Guiné-Bissau à revelia do PAIGC ou do PRS? DSP deve recordar a Carlos Correia que ele também foi nomeado pelo ex-PR Nino Vieira, tendo sido demitido por inconstitucionalidade, tal como aconteceu com a primeira nomeação de Baciro Djá. E pior: Carlos Correia voltou a ser nomeado pelo PR sem ter havido qualquer outra nomeação antes. Pela quarta vez, Carlos Correia foi nomeado (sem nunca ter ido a eleições e sem ter sido indigitado pelo partido), e ninguém se barricou. No caso do PRS, quantas vezes o ex-PR Kumba Yalá nomeou PM sem ter passado por um processo de auscultação dos partidos políticos? Quatro. E quem é que se barricou naquela altura? Esta forma de desrespeitar a nomeação de Baciro Djá pode trazer consequências indesejadas. As atitudes de desrespeito que têm vindo a ser manifestadas durante o mandato de Jomav mostram um desprezo pela sua figura. No meu entender, Jomav deve assumir uma postura que ponha fim a este desrespeito. Se o PAIGC quer mesmo assumir uma postura democrática, ainda há tempo de termos uma Constituição e uma profunda mudança de mentalidades, que correspondam a uma verdadeira cultura democrática, articulando com a mudança do sistema eleitoral, sistema de partidos políticos e sistema político de Governo.
É preciso ter em conta, neste contencioso, que se algo de errado acontecer à ala pró-Jomav, a ala pró-DSP será responsabilizada; tal como se algo acontecer à ala pró-DSP, a ala pró-Jomav será responsabilizada. Além disso, não posso deixar de perguntar onde anda Cipriano Cassamá. Voltam as dúvidas se realmente está solidário com DSP e com o Governo demitido. Também está barricado?
Quinto ponto. O Conselho de Ministros do Governo demitido responsabilizou o PR e o CEMGFA pela violência contra cidadãos e pelo eventual agravamento da crise política no país e pelas consequências que daí poderão advir (ANG, 30-05-2016).
Num post anterior, eu já tinha sugerido ao CEMGFA Biaguê Nan Tan que os seus discursos abrem espaço à distorção e especulação, criando ainda mais incerteza e instabilidade. Tal como aconteceu com o caso em que os membros do executivo foram impedidos por membros de forças de segurança de entrar nos respectivos gabinetes, a situação actual permite ao PAIGC conotar o CEMGFA, Biaguê Nan Tan, com a ala pró-Jomav. Tal como eu já tinha avisado, as declarações do CEMGFA sobre o destino a dar aos golpistas, se não fossem esclarecidas, abriam espaço a interpretações das duas alas (ala pró-Jomav e ala pró-DSP). Uma vez que o STJ deu razão aos 15 Deputados expulsos/retornados, o PAIGC ficou em desvantagem. Por isso, aproveitou as várias intervenções do CEMGFA, para se posicionar contra Biaguê Nan Tan.
Sexto ponto. DSP exigiu que o PR apresente o conteúdo da proposta de Governo feita pelo PRS. Ora, se DSP não esclareceu ao fundo as razões que o levaram ao Senegal nos últimos dias, como pode fazer este tipo de exigência? Antes das últimas declarações de Murade Murargy, DSP era um aliado natural dos PALOP e da CPLP. A aproximação de DSP ao Senegal e a outros países da sub-região, que não faziam parte dos seus aliados, deve levantar suspeitas.
Já alertei para a forte presença dos EUA na sub-região através do quarteto EUA–Cabo-Verde–Senegal–Guiné-Conakri (RTP, 02-05-2016), e também para o domínio das NU na Guiné-Bissau. Angola, que marcou presença na Guiné-Bissau através das suas tropas, parece também querer aproximar-se dos países da sub-região, como revela o empréstimo de 150 milhões de dólares (113,7 milhões de euros) à Guiné-Conacri (Expresso, 12-12-2011). Ainda, a visita de Obama e do seu staff ao Senegal, a Cabo-Verde e a Angola, revela também um esforço de aproximação entre estes países com fortes interesses na Guiné-Bissau (Euronews, 28-06-2013).
A presença das NU através de vários tipos de representantes também não tem sido marcada pelo sucesso. Espero que Modibo Touré não traga consigo o rasto de “azar” que ficou atrás dele em todos os países por onde passou.
Finalmente, para encerrar este conjunto de evidências, importa assinalar que o Conselho de Segurança das NU foi informado sobre a situação na Guiné-Bissau, numa reunião à porta fechada em Nova Iorque, a pedido do Senegal. Os membros do conselho pretendiam saber mais sobre a crise no país, sendo uma das suas preocupações a possibilidade de uma intervenção militar caso a crise política não seja resolvida (Observador, 26-05-2016).
Conclusão. De acordo com Maquiavel, dificilmente Baciro Djá será aceite e muito menos será respeitado pela ala pró-DSP. Por um lado, porque «aquele [Baciro Djá] que chega ao Principado [PM] com a ajuda dos Grandes [PR & PRS] mantém-se com mais dificuldade do que aquele que o atinge com a ajuda do Povo» (Maquiavel, 2007: 49-52; Mendes, 2010: 31). Por outro lado, a sua nomeação revela que não permaneceu neutro, tomando a posição mais vantajosa para ele e seguindo um dos conselhos de Maquiavel:  «num confronto entre as duas partes [entre Jomav & DSP], é preciso saber posicionar, na melhor das hipóteses, do lado do amigo [Jomav] e não do inimigo» [DSP] (Maquiavel, 2007: 95-96).
Perante isto, se Baciro Djá quer terminar o seu mandato, terá de recorrer a duas estratégias: em primeiro lugar, o método daquele árbitro que participa numa partida entre duas equipas com uma rivalidade muito intensa. Nesta situação, o árbitro opta por dar um cartão amarelo a todos os jogadores, incluindo aos que estão no banco, deitando depois o cartão fora. Isto significa que, a partir daquele momento, qualquer passo em falso significa uma expulsão (cartão vermelho). Em segundo lugar, deve rodear-se de membros de Governo e conselheiros  competentes (embora eu não seja a favor de conselheiros), adoptando a técnica do “lobo esfomeado” que, ao correr em plena velocidade, mantém a boca aberta para apanhar qualquer passarinho que voe distraído.
Uma vez que Jomav já apanhou o seu antigo homólogo Cavaco Silva no número de Governos (quatro), resta esperar que não ultrapasse muito mais, porque a Guiné-Bissau já conta com 19 Governos, em que nenhum cumpriu o seu mandato na forma prevista na Lei (sendo que em Portugal são 21, com 5 que chegaram ao fim).
DSP e o elenco de Governo demitido terão ainda outras oportunidades para dar o seu contributo ao país (até porque alguns deles são jovens quadros com potencial), por isso, devem deixar a barricada e tentar resolver os problemas dentro do PAIGC. Na situação em que a Guiné-Bissau se encontra, o recurso à violência e às touradas políticas deve ser liminarmente afastado. O povo está cansado, pobre e sem a esperança de uma solução à vista. Até quando?
Para mais informações, consultar o meu livro: Mendes, Livonildo Francisco (2015). Modelo Político Unificador - Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau (pp. 162-164, 179, 187, 470-471, 529). Lisboa: Chiado Editora.

2 comentários:

  1. Caro compatriota,
    Em primeiro lugar gostaria de elogiar o seu grande trabalho.
    Por outro lado acho não é relevante se os atos que estão a ser praticados pelas autoridades atuais já aconteceu no passado. Acho que a questão do fundo é se a lei permite esta atuação. Abraços

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  2. Caro Edmilson Pires, muito obrigado pelo seu comentário e pelas suas palavras de elogio.
    Por vezes, a utilização de analogias ou comparações com o passado permite compreender melhor uma determinada situação, nomeadamente os prós e contras de determinados actos. Concordo que o fundamental é o respeito e o cumprimento da lei. Mas o meu papel é analisar diferentes perspectivas e possibilidades, apresentando, eventualmente, alterações ao actual modelo.
    Um grande abraço

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