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quinta-feira, 12 de maio de 2016

Mais uma cambalhota política na Guiné-Bissau: discursos de DSP e Jomav e a queda de Carlos Correia

Caros leitores, o tema de hoje é ainda mais sensível que o habitual, mas mantenho a minha postura de imparcialidade e coerência perante os factos ocorridos. No primeiro bloco, sintetizo as declarações de Domingos Simões Pereira «DSP» do dia 9 de Maio, em nome de um grupo de partidos pertencentes ao "Espaço de Concertação Política dos Partidos Defensores de Valores Democráticos". No segundo bloco, apresento os temas centrais do comunicado do Conselho de Ministros emitido ontem. No terceiro bloco, faço uma desconstrução do conceito de Governo de Iniciativa Presidencial/Governo de Incidência Parlamentar. No quarto bloco, faço uma reflexão sobre a queda do Governo de Carlos Correia. Termino com alguns conselhos para o líder do PAIGC e com mais perguntas para deixar no ar.

Primeiro Bloco. Nas suas declarações de 9 de Maio, o presidente do PAIGC e ex-Primeiro-Ministro «PM», DSP, acusou repetidamente o Presidente da República «PR», José Mário Vaz «Jomav» de não ter qualquer solução para a Guiné-Bissau, defendendo a realização de eleições gerais. DSP afirma que “a grande maioria dos cidadãos reconhece o PR como o maior promotor da crise que se agudiza no país, com graves riscos políticos e sociais” (Voz da América, 09-05-2016). Estas declarações foram proferidas no âmbito do Espaço de Concertação Política dos Partidos Defensores de Valores Democráticos que congrega PAIGC, PCD, UM, PUN, MP e PST, e que denuncia uma tentativa de consumação de golpe de Estado Institucional por parte do PR, do PRS e do grupo dos 15 Deputados expulsos/retornados do PAIGC (RFI, 09-05-2016). Nesta linha de pensamento, defende-se que o actual executivo passe a funcionar como "Governo de Gestão" e que sejam convocadas eleições gerais antecipadas - para PR e Assembleia Nacional Popular «ANP». O PAIGC e partidos políticos aliados referem que o PR Jomav "está refém do grupo criado por ele próprio", movido por "interesses pessoais, impondo ao Chefe de Estado a assinatura do decreto de demissão do Governo e entrega do Poder ao PRS e aos 15 [Deputados]" (Notícias ao Minuto, 09-05-2016).
Segundo Bloco. Depois do PR Jomav se ter encontrado com os partidos políticos e ter convocado o Conselho de Estado para analisar a situação política do país, o Conselho de Ministros reuniu-se com emergência, emitindo um comunicado com os seguintes tópicos: 1. responsabilizar Jomav pelas imprevisíveis consequências na queda de mais um Governo constitucional do PAIGC; 2. acusar Jomav pelo mau relacionamento da Guiné-Bissau com os seus parceiros de cooperação pela intenção de criar um Governo inconstitucional; 3. responsabilizar Jomav de ser parte do problema e do mau clima na ANP devido à sua aliança com os 15 Deputados expulsos/retornados que alinharam com a oposição com o objectivo de criar uma nova maioria parlamentar para derrubar o Governo; 4. as acções de Jomav visam bloquear e fragilizar a acção governativa; 5. caberá ao PAIGC indicar um novo executivo, mantendo várias figuras e com Carlos Correia como PM (RTP Notícias, 11-05-2016).
Estes dois primeiros blocos não trazem nada de novo para além das habituais retóricas de acusação e de responsabilização de Jomav pela instabilidade política que se vive no país.
Terceiro Bloco. Será que têm razão os que defendem que a Constituição da República da Guiné-Bissau «CRGB» não consagra a criação de um GIP? Quantos tipos de GIP existem e a qual deles se referem? Se até os Constitucionalistas defendem um GIP, onde está o problema? Na Guiné-Bissau, nenhum Governo chegou ao fim do seu mandato da forma prevista na lei, e existiram vários Governos de Iniciativa Presidencial “GIP” ou Governos de Alianças Partidárias do PR, Governos de Iniciativa Militar “GIM”, Governos de Vigilância Militar “GVM” e Governos de Gestão. Os conflitos entre os PR, PM e Parlamentares/ANP têm sido constantes em todas as fases do processo de democratização guineense, sobretudo perante um sistema de partidos políticos fragmentado e fraco (Amaral, 2002: 7-15; Azevedo, 2009: 159-170; CRGB, 1996: arts.: 62º-104º; Fernandes, 2010: 97-102, 143-158; Kosta, 2007: 459-481; Mendes, 2010: 92; Miranda, 1996: 136-137; Novais, 2010: 73-121, 461-463). Aqueles que são contra a criação de um GIP na Guiné-Bissau, devem apresentar um modelo alternativo, já que a CRGB prevê claramente esta modalidade, como demonstra a própria História.
De acordo com a sigla, GIP pode ter uma dupla conotação do ponto de vista da Sociologia do Poder e da Política, da Ciência Política e do Direito Constitucional. Por um lado, pode significar um “Governo de Iniciativa Presidencial «GIP»”; por outro lado, pode significar um “Governo de Incidência Parlamentar «GIP»”. O Governo de Iniciativa Presidencial[1] «GIP», em Portugal foi baptizado pelo PR Ramalho Eanes durante os seus dois mandatos entre 1976-1986, onde optou por ensaiar um conjunto de experiências governativas que ficariam conhecidas como os “Governos de Iniciativa Presidencial”, sendo que nenhum dos 10 Governos terminou o seu mandato pela forma prevista na lei. No que diz respeito ao Governo de Incidência Parlamentar, é o tipo de Governo do PM António Costa, formado no Parlamento, no diálogo e na negociação interpartidárias (Novais, 2010: 73-121, 461-463).
No seu discurso na ANP, Jomav afirmou que «caso não haja disponibilidade política, séria e urgente por parte do partido formalmente maioritário [PAIGC], para uma “solução abrangente” poderia ser forçado, dentro do quadro parlamentar, a considerar outras opções governativas [GIP] que assegurem a estabilidade até ao fim da legislatura». E poderia fazê-lo com o fundamento da perda da maioria absoluta da parte do PAIGC. Esta perda de 15 Deputados expulsos/retornados dá uma nova maioria ao PRS, que tem 41 Deputados, tal como frisaram DSP e o Conselho de Ministros. Este Governo de Incidência Parlamentar «GIP» é Constitucional tanto em Portugal como na Guiné-Bissau, tendo em conta que cabe ao PR apenas proporcionar as condições de aproximação entre os partidos políticos, favorecer eventualmente acordos parlamentares, mas nunca patrocinar soluções governativas à margem do Parlamento e sem o aval dos partidos representados no Parlamento. De acordo com o modelo em vigor, não basta vencer as eleições legislativas, mas é preciso garantir os votos adequados no Parlamento, para que se possa governar (CRGB, 1996: arts. 62.º-104.º; Jornal de Notícias, 25-11-2015; Novais, 2010: 73-121, 461- 463).
Quarto bloco. Faz sentido que o PRS não se imiscua nos assuntos internos do PAIGC? Com uma nova maioria parlamentar, até que ponto Cipriano Cassamá é "irremovível"? Será que Jomav tem a faca e o queijo na mão? Será que é melhor afastar-se do que ser afastado? Será que quem ri por último ri melhorSe o PRS faz parte da solução, de acordo com o modelo em vigor, tem uma palavra a dizer sobre as declarações e acções do PAIGC, sem sombra de dúvida. Até porque já fez parte de um Governo de inclusão liderado pelo ex-PM DSP, a convite do próprio PAIGC.
O Presidente da República da Guiné-Bissau afirmou hoje que "demitir o Governo e iniciar um processo de audição às forças políticas" é a única solução para a crise institucional no país (Notícias ao Minuto, 12-05-2016; RDP África, 12-05-2015). A queda do Governo, anunciada por decreto presidencial, prova que Jomav tem de facto a faca como o queijo na mão, e acabou por “cortar” onde quis. O decreto presidencial saiu logo a seguir ao seu comunicado à Nação, enquadrando-se na técnica de Muhammad Ali: "flutuar como uma borboleta e picar como uma abelha" (Mearsheimer, 1995).
Jomav obriga os seus opositores a engolir o “violentíssimo sapode que já falei. Quem aceita governar dentro do modelo em vigor, tem de reconhecer o papel do PR como moderador, facilitador e árbitro, pois é esse o papel que lhe está destinado. Aqui fica demonstrado que seria preferível retirar-se do que ser retirado – tanto para o ex-PM DSP, como para o agora ex-PM Carlos Correia. No caso de Cipriano Cassamá, a sua posição só poderá ser esclarecida depois da formação do GIP – aí veremos se é ou não irremovível. Um aspecto é indiscutível: se Cipriano Cassamá estiver, realmente, do lado de DSP e de Carlos Correia, deverá pôr o seu lugar à disposição no caso de o GIP não ser do agrado da liderança do PAIGC.
Com a queda de Carlos Correia, podemos apelidar Carlos Correia de “PM habituado às quedas” (porque é a quarta vez que “cai” sem chegar nunca ao fim do mandato) ou “bombeiro que não consegue apagar as chamas” (porque foi várias vezes chamado para “tapar o buraco” ou “apagar o fogo”, mas as coisas nunca correram bem). Infelizmente, os Governos suportados por Carlos Correia correram sempre mal, uma vez que ele nunca ascendeu pela via mais legítima, que são as eleições, mas entrou a “meio do jogo”. Isto ensina uma lição aos seus sucessores, que devem evitar colocar-se nesta posição delicada, de ser chamado e afastado sem conseguir concretizar nada de facto. Jomav “rebentou” o “balão de oxigénio” oferecido a Carlos Correia em Janeiro, mostrando que, tal como eu previa, este era um “sol de pouca dura”. Jomav terá agora de coabitar com o quarto Governo durante o seu mandato – o 19.º Governo da Guiné-Bissau. Esperemos que seja encontrada uma solução coerente e credível entre os partidos políticos (incluindo mulheres e jovens competentes), para restabelecer um mínimo de equilíbrio na política guineense.
Termino, mais uma vez, com uma palavra para DSP e para o PAIGC. Volto a frisar que o mais conveniente seria que DSP fizesse uma retirada estratégica da liderança do partido, para preservar a sua sobrevivência política. Claro que venceu as eleições como líder do partido (apesar da desilusão na formação do seu Governo), mas as circunstâncias não são favoráveis, neste momento, para a sua permanência. Como já referi anteriormente, e também no meu livro, às vezes é melhor fazer um Compasso de Espera Político «CEP», como os políticos experientes sabem e fazem. DSP tem todo o tempo e oportunidade para terminar o seu doutoramento e apresentar um projecto sólido para a Guiné-Bissau, num contexto mais favorável.
Face à situação em que nos encontramos, importa saber: quem será o próximo PM? Irá o PAIGC “lançar” Raimundo Pereira? ou Aristides Ocante? Ou Aladje João FadiaSerá o lugar de vice-PM partilhado com o PRS ou com uma figura carismática de reconhecido valor? Como ficou o projecto saído do debate organizado por Miguel Trovoada antes da sua saída? Já não haverá nenhuma proposta? Será que podemos ficar à espera de algum guineense que esteja a desempenhar funções nas altas instâncias internacionais (já que todos são do partido)? Será desta vez que veremos um verdadeiro independente a assumir funções? E que tal pensarem num Governo de Meritocratas e Tecnocratas (falarei deste tema num dos próximos posts)? Quanto a mim, a minha obra está à disposição de todos para discutir o futuro da Guiné-Bissau. 
Para mais informações, consultar o meu livro: Mendes, Livonildo Francisco (2015). Modelo Político Unificador - Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau (pp. 351-352, 409, 440). Lisboa: Chiado Editora.


[1] Na perspectiva do Constitucionalista português Jorge Reis Novais (2010: 98-99, 462-464), tratava-se de Governos constituídos exclusivamente a partir de Belém, compostos por pessoas politicamente próximas do PR e “independentes”, e que depois se apresentavam no Parlamento com a esperança de beneficiarem, no mínimo, da não aprovação/rejeição activa dos partidos parlamentares. Os Governos de Iniciativa Presidencial «GIP» ou Governos de Alianças Partidárias «GAP» do PR são dos mais frequentes na Guiné-Bissau, S. Tomé e Príncipe (18 Governos eleitos nenhum cumpriu o seu mandato) e em Portugal (dos 21 Governos eleitos só 5 chegaram o fim dos seus mandatos).

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