Caros leitores, o tema
de hoje é ainda mais sensível que o habitual, mas mantenho a minha postura de
imparcialidade e coerência perante os factos ocorridos. No primeiro bloco,
sintetizo as declarações de Domingos Simões Pereira «DSP» do dia 9 de Maio, em nome de um grupo de partidos
pertencentes ao "Espaço de Concertação Política dos Partidos Defensores de
Valores Democráticos". No segundo bloco, apresento os temas centrais do
comunicado do Conselho de Ministros emitido ontem. No terceiro bloco, faço uma
desconstrução do conceito de Governo de Iniciativa Presidencial/Governo de
Incidência Parlamentar. No quarto bloco, faço uma reflexão sobre a queda do
Governo de Carlos Correia. Termino com alguns conselhos para o líder do PAIGC e
com mais perguntas para deixar no ar.
Primeiro Bloco. Nas suas
declarações de 9 de Maio, o presidente do PAIGC e ex-Primeiro-Ministro «PM», DSP, acusou repetidamente o Presidente da República «PR», José
Mário Vaz «Jomav» de não ter qualquer solução para a Guiné-Bissau, defendendo a
realização de eleições gerais. DSP afirma que “a grande maioria dos cidadãos
reconhece o PR como o maior promotor da crise que se agudiza no país, com
graves riscos políticos e sociais” (Voz da América, 09-05-2016). Estas
declarações foram proferidas no âmbito do Espaço de Concertação Política dos
Partidos Defensores de Valores Democráticos que congrega PAIGC, PCD, UM, PUN,
MP e PST, e que denuncia uma tentativa de consumação de golpe de Estado Institucional por
parte do PR, do
PRS e do grupo dos 15 Deputados expulsos/retornados do PAIGC (RFI, 09-05-2016). Nesta linha de pensamento, defende-se que o actual executivo passe a
funcionar como "Governo de Gestão" e que sejam convocadas eleições
gerais antecipadas - para PR e Assembleia Nacional Popular «ANP». O PAIGC e
partidos políticos aliados referem que o PR Jomav "está refém do grupo criado por
ele próprio", movido por "interesses pessoais, impondo ao Chefe de
Estado a assinatura do decreto de demissão do Governo e entrega do Poder ao PRS
e aos 15 [Deputados]" (Notícias ao Minuto, 09-05-2016).
Segundo Bloco. Depois
do PR Jomav se ter encontrado com os partidos políticos e ter convocado o Conselho de
Estado para analisar a situação política do país, o Conselho de Ministros reuniu-se
com emergência, emitindo um comunicado com os seguintes tópicos: 1. responsabilizar
Jomav pelas imprevisíveis consequências na queda de mais um Governo constitucional
do PAIGC; 2. acusar Jomav pelo mau relacionamento da Guiné-Bissau com os seus
parceiros de cooperação pela intenção de criar um Governo inconstitucional; 3. responsabilizar
Jomav de ser parte do problema e do mau clima na ANP devido à sua aliança com os
15 Deputados expulsos/retornados que alinharam com a oposição com o objectivo
de criar uma nova maioria parlamentar para derrubar o Governo; 4. as acções de
Jomav visam bloquear e fragilizar a acção governativa; 5. caberá ao PAIGC
indicar um novo executivo, mantendo várias figuras e com Carlos Correia como PM
(RTP Notícias, 11-05-2016).
Estes dois primeiros blocos
não trazem nada de novo para além das habituais retóricas de acusação e de
responsabilização de Jomav pela instabilidade política que se vive no país.
Terceiro Bloco. Será
que têm razão os que defendem que a Constituição da República da Guiné-Bissau «CRGB»
não consagra a criação de um GIP? Quantos tipos de GIP existem e a qual deles
se referem? Se até os Constitucionalistas defendem um GIP, onde está o
problema? Na Guiné-Bissau, nenhum Governo chegou ao fim
do seu mandato da forma prevista na lei, e existiram vários Governos de
Iniciativa Presidencial “GIP” ou Governos de Alianças Partidárias do PR,
Governos de Iniciativa Militar “GIM”, Governos de Vigilância Militar “GVM” e
Governos de Gestão. Os conflitos entre os PR, PM e Parlamentares/ANP têm sido
constantes em todas as fases do processo de democratização guineense, sobretudo
perante um sistema de partidos políticos fragmentado e fraco (Amaral, 2002:
7-15; Azevedo, 2009: 159-170; CRGB, 1996: arts.: 62º-104º; Fernandes, 2010:
97-102, 143-158; Kosta, 2007: 459-481; Mendes, 2010: 92; Miranda, 1996:
136-137; Novais, 2010: 73-121, 461-463). Aqueles que são contra a criação de um
GIP na Guiné-Bissau, devem apresentar um modelo alternativo, já que a CRGB
prevê claramente esta modalidade, como demonstra a própria História.
De
acordo com a sigla, GIP pode ter uma dupla conotação do ponto de vista da Sociologia
do Poder e da Política, da Ciência Política e do Direito Constitucional. Por um lado, pode
significar um “Governo de Iniciativa Presidencial «GIP»”; por outro lado, pode
significar um “Governo de Incidência Parlamentar «GIP»”. O Governo de
Iniciativa Presidencial[1] «GIP»,
em Portugal foi baptizado pelo PR Ramalho Eanes durante os seus dois mandatos entre
1976-1986, onde optou por ensaiar um conjunto de experiências governativas que
ficariam conhecidas como os “Governos de Iniciativa Presidencial”, sendo que
nenhum dos 10 Governos terminou o seu mandato pela forma prevista na lei. No
que diz respeito ao Governo de Incidência Parlamentar, é o tipo de Governo do
PM António Costa, formado no Parlamento, no diálogo e na negociação
interpartidárias (Novais, 2010: 73-121, 461-463).
No seu discurso na ANP, Jomav afirmou que «caso
não haja disponibilidade política, séria e urgente por parte do partido
formalmente maioritário [PAIGC], para uma “solução abrangente” poderia ser forçado, dentro do quadro parlamentar, a considerar outras opções
governativas [GIP] que assegurem a
estabilidade até ao fim da legislatura». E poderia fazê-lo com o fundamento da
perda da maioria absoluta da parte do PAIGC. Esta perda de 15 Deputados
expulsos/retornados dá uma nova maioria ao PRS, que tem 41 Deputados, tal como
frisaram DSP e o Conselho de Ministros. Este Governo de Incidência Parlamentar
«GIP» é Constitucional tanto em Portugal como na Guiné-Bissau, tendo em conta
que cabe ao PR apenas proporcionar as condições de aproximação entre os
partidos políticos, favorecer eventualmente acordos parlamentares, mas nunca
patrocinar soluções governativas à margem do Parlamento e sem o aval dos partidos
representados no Parlamento. De acordo com o modelo em vigor, não basta vencer
as eleições legislativas, mas é preciso garantir os votos adequados no
Parlamento, para que se possa governar (CRGB, 1996: arts. 62.º-104.º; Jornal
de Notícias, 25-11-2015; Novais, 2010: 73-121,
461- 463).
Quarto bloco. Faz
sentido que o PRS não se imiscua nos assuntos internos do PAIGC? Com uma nova
maioria parlamentar, até que ponto Cipriano Cassamá é "irremovível"? Será
que Jomav tem a faca e o queijo na mão? Será que é melhor afastar-se do que ser
afastado? Será que quem ri por último ri melhor? Se o PRS faz parte da
solução, de acordo com o modelo em vigor, tem uma palavra a dizer sobre as
declarações e acções do PAIGC, sem sombra de dúvida. Até porque já fez parte de
um Governo de inclusão liderado pelo ex-PM DSP, a convite do próprio PAIGC.
O Presidente da
República da Guiné-Bissau afirmou hoje que "demitir o Governo e iniciar um
processo de audição às forças políticas" é a única solução para a crise
institucional no país (Notícias ao Minuto, 12-05-2016; RDP África, 12-05-2015).
A queda do Governo, anunciada por decreto presidencial, prova que Jomav tem de
facto a faca como o queijo na mão, e acabou por “cortar” onde quis. O decreto
presidencial saiu logo a seguir ao seu comunicado à Nação, enquadrando-se na técnica
de Muhammad Ali: "flutuar como uma borboleta e picar
como uma abelha" (Mearsheimer, 1995).
Jomav obriga os seus
opositores a engolir o “violentíssimo sapo” de que já falei. Quem aceita
governar dentro do modelo em vigor, tem de reconhecer o papel do PR como moderador, facilitador e árbitro, pois é esse o papel que
lhe está destinado. Aqui fica demonstrado que seria
preferível retirar-se do que ser retirado – tanto para o ex-PM DSP, como para o
agora ex-PM Carlos Correia. No caso de Cipriano Cassamá, a sua posição só
poderá ser esclarecida depois da formação do GIP – aí veremos se é ou não
irremovível. Um aspecto é indiscutível: se Cipriano Cassamá estiver, realmente,
do lado de DSP e de Carlos Correia, deverá pôr o seu lugar à disposição no caso
de o GIP não ser do agrado da liderança do PAIGC.
Com a queda de Carlos
Correia, podemos apelidar Carlos Correia de “PM habituado às quedas” (porque é
a quarta vez que “cai” sem chegar nunca ao fim do mandato) ou “bombeiro
que não consegue apagar as chamas” (porque foi várias vezes chamado para “tapar
o buraco” ou “apagar o fogo”, mas as coisas nunca correram bem). Infelizmente,
os Governos suportados por Carlos Correia correram sempre mal, uma vez que ele
nunca ascendeu pela via mais legítima, que são as eleições, mas entrou a “meio
do jogo”. Isto ensina uma lição aos seus sucessores, que devem evitar
colocar-se nesta posição delicada, de ser chamado e afastado sem conseguir
concretizar nada de facto. Jomav “rebentou” o “balão de oxigénio” oferecido a
Carlos Correia em Janeiro, mostrando que, tal como eu previa, este era
um “sol de pouca dura”. Jomav terá agora de coabitar com o quarto Governo durante o seu mandato – o 19.º Governo da Guiné-Bissau. Esperemos
que seja encontrada uma solução coerente e credível entre os partidos políticos (incluindo mulheres e jovens competentes), para restabelecer um mínimo de
equilíbrio na política guineense.
Termino, mais uma vez,
com uma palavra para DSP e para o PAIGC. Volto a frisar que o mais conveniente
seria que DSP fizesse uma retirada estratégica da liderança do partido, para
preservar a sua sobrevivência política. Claro que venceu as eleições como líder
do partido (apesar da desilusão na formação do seu Governo), mas as circunstâncias
não são favoráveis, neste momento, para a sua permanência. Como já referi
anteriormente, e também no meu livro, às vezes é melhor fazer um
Compasso de Espera Político «CEP», como os políticos experientes sabem e fazem.
DSP tem todo o tempo e oportunidade para terminar o seu doutoramento e
apresentar um projecto sólido para a Guiné-Bissau, num contexto mais favorável.
Face à situação em que
nos encontramos, importa saber: quem será o próximo PM? Irá o PAIGC “lançar” Raimundo
Pereira? ou Aristides Ocante? Ou Aladje João Fadia? Será o lugar de vice-PM partilhado com o PRS ou
com uma figura carismática de reconhecido valor? Como ficou o projecto saído do
debate organizado por Miguel Trovoada antes da sua saída? Já não haverá
nenhuma proposta? Será que podemos ficar à espera de algum guineense que esteja a
desempenhar funções nas altas instâncias internacionais (já que todos são do
partido)? Será desta vez que veremos um verdadeiro independente a assumir
funções? E que tal pensarem num Governo de Meritocratas e Tecnocratas (falarei
deste tema num dos próximos posts)? Quanto a mim, a minha obra está à
disposição de todos para discutir o futuro da Guiné-Bissau.
Para mais informações, consultar o meu livro: Mendes, Livonildo Francisco (2015). Modelo Político Unificador - Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau (pp. 351-352, 409, 440). Lisboa: Chiado Editora.
[1] Na perspectiva do
Constitucionalista português Jorge Reis Novais (2010: 98-99, 462-464), tratava-se
de Governos constituídos exclusivamente a partir de Belém, compostos por
pessoas politicamente próximas do PR e “independentes”, e que depois se
apresentavam no Parlamento com a esperança de beneficiarem, no mínimo, da não
aprovação/rejeição activa dos partidos parlamentares. Os Governos de Iniciativa Presidencial «GIP» ou Governos de Alianças Partidárias
«GAP» do PR são dos mais frequentes na Guiné-Bissau, S. Tomé e Príncipe (18 Governos
eleitos nenhum cumpriu o seu mandato) e em Portugal (dos 21 Governos eleitos só
5 chegaram o fim dos seus mandatos).
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