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quarta-feira, 20 de julho de 2016

Amine Saad, o memorial da escravatura e as toupeiras guineenses

Caríssimos leitores, no post de hoje trago-vos algumas reflexões sobre a ida de Amine Saad para o Tribunal Penal Internacional «TPI»; o novo Memorial dedicado à escravatura e tráfico negreiro em Cacheu; e a chegada de um «avião-fantasma» denunciada por Domingos Simões Pereira «DSP». No Domingo voltarei com um novo post sobre as recentes declarações de DSP a propósito do acórdão n.º 4/2016 do Supremo Tribunal de Justiça.
Primeira parte. Amine Saad, de 61 anos, natural de Mansoa, vai figurar numa lista de advogados cuja missão será a de assistir suspeitos, acusados ou vítimas que estejam em processo no TPI (Sapo Notícias, 13-07-2016). Os meus parabéns a Amine Saad por esta oportunidade de ocupar mais um lugar de destaque, que dignifica os quadros guineenses. Perante esta nomeação, tenho também outras três considerações a fazer.
Em primeiro lugar, o facto de as diplomacias da França e do Reino Unido serem diplomacias muito vigorosas, acaba muitas vezes por capturar as elites africanas, por vezes através de meios pouco positivos. Se olharmos para a realidade da Guiné-Bissau com base nesta linha do pensamento, podemos verificar que os intelectuais guineenses com mais visibilidade/influência pública, em termos académicos e de impacto mediático, estudaram, na sua maioria, em países francófonos e anglófonos. É possível que estas diplomacias tenham contribuído para a sua ascensão no país, na sub-região africana e nos organismos internacionais – e Amine Saad é um exemplo disto. E Portugal, o que tem feito pelos quadros lusófonos? Esta é uma questão que merece reflexão. Por mais que as forças externas tentem dividir-nos, deveríamos aproveitar o potencial de cada um para investir no desenvolvimento da Guiné-Bissau. Em segundo lugar, devemos questionar o que terá levado o TPI a convidar Amine Saad. Será que se prepara o julgamento de algum guineense por parte do TPI? Amine Saad, por ter sido Procurador-Geral da República da Guiné-Bissau duas vezes, pode estar na posse de informação relevante e comprometedora. Este é um caso que continuarei a acompanhar com toda a atenção.
Em terceiro lugar, não sou apologista ou defensor do TPI, assim como de outras ideias como o termo Estado Falhado, ou os Objectivos do Desenvolvimento do Milénio/Objectivos de Desenvolvimento Sustentável «ODM/ODS», que apresentam algumas características próximas dos princípios básicos da Conferência de Berlim, que não se aplicam ao Ocidente. Ou seja, parecem ser critérios específicos que se aplicam, preferencialmente aos países africanos e do Médio Oriente. O TPI seguramente não julgará e nem tão pouco condenará, por exemplo, os EUA e alguns países da União Europeia pela invasão ao Iraque, Afeganistão, Líbia, Síria, etc. O nosso ponto de vista é partilhado pelo Presidente da República do Senegal, Macky Sall, que apontou críticas ao TPI, dizendo que apenas os líderes africanos são visados: «quando há uma obstinação em acusar apenas os africanos, há um problema porque dá a impressão que há uma justiça a duas velocidades. Não é normal que o TPI vise apenas os presidentes africanos. Não conheço outros casos oriundos da Europa. Não podemos dizer que não há crimes na Europa central ou ocidental. E depois, os Estados Unidos, a Rússia, a China não reconhecem o TPI. Pelo menos os africanos aceitaram, na sua maioria, fazer parte do TPI». O mesmo se passa em relação ao termo Estado Falhado: há alguns países da Europa (Espanha, Chipre, Grécia, Irlanda, Itália, Portugal, etc.) que perderam “supostamente” as suas soberanias (Política, Económica, etc.), mas dificilmente são referidos como Estados Falhados. É difícil defender a África e os africanos destes vocábulos, na medida em que, muitas vezes, são os próprios intelectuais africanos que os defendem (Euronews, 03-04-2014; Gentili, 1998; Obenga, 2003).
Perante estas ideias, caberá aos quadros africanos ponderar muito bem os convites que recebem para ocupar cargos onde poderão ser usados contra os seus irmãos africanos e contra os interesses de África. Por vezes só se apercebem das consequências depois de deixarem estes mesmos cargos, sendo já tarde demais para lavar a sua imagem.
Segunda parte. A cidade de Cacheu, no norte da Guiné-Bissau, tem um novo memorial dedicado à escravatura e tráfico negreiro, erguido num edifício em ruínas cujas obras de reabilitação foram custeadas pela União Europeia. O memorial foi apresentado como sendo um espaço que visa "valorizar a memória de uma realidade que marcou profundamente os países africanos e ainda hoje permanece com grande acuidade nas sociedades dilaceradas pelo tráfico negreiro" (Sapo Notícias, 08-07-2016). Elogio esta iniciativa, que vai ao encontro do que eu já defendi neste blogue, mas também na minha dissertação e no meu livro a propósito das estátuas derrubadas na Guiné-Bissau. Visto que a preservação da herança cultural com todas as memórias vivas através dos seus monumentos constitui o orgulho e respeito de um povo, os guineenses devem saber distinguir o passado, valorizar o presente e projectar um futuro melhor. Também é importante pressionar Portugal para a manutenção dos patrimónios culturais erguidos na Guiné-Bissau (Mendes, 2010: 97). Além disso, como se pode ouvir no vídeo, este memorial remete-nos para as origens do crioulo, tal como também já discuti num outro post (Mendes, 2010: 19-21).
Terceira parte. O ex-Primeiro Ministro «PM» e líder do PAIGC DSP alertou para a entrada no país de um "avião fantasma" com carga desconhecida e que foi recebido pelo chefe da casa civil da Presidência guineense (Sapo Notícias, 18-07-2016). Esta notícia não é surpresa para ninguém, porque, com o PAIGC, tudo é fantasma na Guiné-Bissau - submarinos, aviões, carros blindados, madeiras, areias, drogas, dinheiros, políticos, conselheiros, casas, esposas...etc. No entanto, não deixa de ser importante que estes acontecimentos sejam esclarecidos.
As pessoas esclarecidas não põem em causa os factos invocados por DSP: compreendem perfeitamente a situação e até os que não gostam dele, dar-lhe-ão razão nesta matéria. No entanto, essa não é a questão central. O povo está habituado a estas acusações constantes e já não presta atenção, porque está cansado de tantas polémicas dos políticos, e principalmente da governação do PAIGC. Assim, chega-se à conclusão de que todos mentem e escondem. Quando um político chega ao Poder (por exemplo, o PM Baciro Djá), diz que encontrou o país numa situação difícil, de rastos e cheio de buracos…assim, basta-lhe aproveitar para “alargar” ainda mais o “buraco”, retirando benefícios da sua situação privilegiada e deixando o país cada vez pior. O país está cheio de buracos: o PAIGC governou sempre como toupeiras (uma vez que vive de baixo do chão) que não param de fazer buracos. Um dia seremos engolidos pela terra
Caríssimos leitores, este post já vai longo, pelo que decidi deixar a parte mais “quente” para o próximo Domingo. Nessa altura, falarei das recentes declarações de DSP acerca do acórdão n.º 4/2016 do Supremo Tribunal de Justiça, da propriedade intelectual do programa «Terra Ranka» e das invasões de privacidade (a que chamarei os papéis do Panamá/Wikileaks guineenses). Tentarei demonstrar que é possível desvendar ligações e segredos de líderes políticos sem recorrer à invasão da sua privacidade. Para estarem preparados, aconselho-vos a lerem os posts “O prometido churrasco dos políticos guineenses: análise dos acontecimentos recentes na Guiné-Bissau,Mais uma cambalhota política na Guiné-Bissau:discursos de DSP e Jomav e a queda de Carlos Correia”, “Da tourada política à nomeação de Baciro Djá, passando pela barricada do Governo demitido”, e “Sobre as implicações do discurso de Jomav e a reacção de DSP”. Não percam!

Para mais informações, consultar o meu livro: Mendes, Livonildo Francisco (2015). Modelo Político Unificador – Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau (pp. 176, 195). Lisboa: Chiado Editora.

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