Caros
leitores, como Politicólogo guineense, confesso que, do ponto de vista da
Ciência Política “pura-&-dura”, há muitas explicações para as crises
políticas que se verificam na Guiné-Bissau. Num breve ataque em diagonal (e não
em profundidade), falar-vos-ei, mais uma vez, de algumas imperfeições do
sistema político de governo neste país.
A
experiência semipresidencialista revela dois factos principais: primeiro, a
existência de um ambiente de difícil coabitação entre Presidentes da República
«PR» e Primeiros-Ministros «PM» para a esmagadora maioria dos países que o
adoptaram; segundo, muitas vezes o próprio sistema político semipresidencialista joga mais a favor do PR do que do PM (na Guiné-Bissau,
desde a abertura democrática até hoje, nenhum deles terminou o seu mandato pela
forma prevista na lei).
Estes
factos constituem a prática cotidiana do semipresidencialismo guineense, onde
os PR tentam, nos seus mandatos, controlar totalmente o Governo e a governação
do país. Estas tentativas não encontram grande oposição por parte dos “partidos
políticos” e da Assembleia Nacional Popular «ANP», mas encontram oposição no
interior dos seus próprios partidos (como é
patente no Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde «PAIGC»).
E, quando estas facções contestatárias são politicamente vencidas, acabam,
muitas vezes, por concertar forças com os militares para intervenções contra os
PR, contra os PM, contra o Governo ou contra o PAIGC.
Neste
sentido, o caso da Guiné-Bissau não se afasta da realidade africana, em que a
centralização de Poderes na figura do PR onde existe a polarização política e
étnica gera um clima propício aos conflitos. Na linha política de John Locke [1632-1704], o sistema político de Governo deve privilegiar a partilha
do Poder. A centralização do Poder numa só pessoa ou num só partido-Estado “PAIGC” que não está sujeito a prestar contas a outras
instituições leva, indubitavelmente, à exclusão política de outras facções e
personalidades – situação perigosa para um país com uma história de séculos de
conflitos, com mais de 40 “partidos políticos”, num
cenário em que um partido-Estado “PAIGC” se torna imprescindível à governação,
num país com mais de 30 grupos e mais de 100 subgrupos étnicos (Azevedo, 2009: 159-170; Locke, 2006: 329-331).
Os conflitos internos do PAIGC
têm-se desenrolado desde a sua criação até hoje. Contudo, gostaria de destacar um
bom exemplo desses conflitos dentro do PAIGC e entre o PAIGC e outros órgãos do
Poder do Estado (PR, PM, ANP, Procuradoria-Geral da República, Tribunal de
Contas). Estes conflitos estão a ganhar proporções gigantescas, culminando com
a suspensão de três militantes e expulsão de outro. Estes acontecimentos revelam-nos
que o PAIGC não é um partido de “anjos” ou “santos”, como já provou ao longo da
vida política guineense.
No entanto, por desconhecermos
o impacto do desfecho que este duelo dentro do PAIGC poderá trazer, há quem
defenda a intervenção imediata de Thor, o Deus Viking da protecção da
humanidade – também chamado de «Deus-martelo, Deus-relâmpago e Deus-Trovão» –
para pôr ordem no PAIGC e socializar os «Beowulfes» guineenses numa tradição
democrática. Forcei um pouco esta aproximação entre Thor e Beowulf, não só pelo
facto de ambos pertencerem aos povos nórdicos do período viking. De uma forma
irónica e humorística, o que pretendo dizer é que, se os Beowulfes estão a
minar a estabilidade política, faz todo sentido convidar Thor para proteger os
guineenses dos perigos que se avizinham das querelas do PAIGC. Ou seja, no caso da Guiné-Bissau, uso este mito para referir
que, neste duelo entre militantes do PAIGC, é necessária a intervenção do Thor
para garantir a estabilidade democrática no país. Em síntese, é urgente
resolver este problema o mais rapidamente possível, de uma vez por todas, “implodindo”
as estruturas que têm impedido a paz e a reconciliação na Guiné-Bissau.
Para mais informações,
consultar o meu livro: Mendes, Livonildo Francisco (2015). Modelo Político
Unificador – Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau (pp. 353-354).
Lisboa: Chiado Editora.
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