Guineenses, parem de stressar com “as
ideias” e “os factos” mal contados. Como Sociólogo-Politicólogo
africano/guineense cabe-me atacar em diagonal para descodificar os possíveis
“embustes”. Começo por falar no surgimento de Cabo Verde e, nos próximos posts
falarei das origens do crioulo e da relação de Cabo Verde com África.
Embora eu tenha
estudado em Portugal, não faço parte daqueles africanos/guineenses que
passam toda a sua vida nas Universidades estrangeiras (europeias)
– «licenciatura, mestrado, doutoramento, etc.», – sem terem estudado
a realidade do seu continente/país. Caros leitores, peço
aos interessados em conhecer a história da chegada
dos vários povos à actual Guiné-Bissau, que leiam por favor as páginas 101-117 do
meu livro. E peçam aos outros guineenses formados para fazerem
a sua parte, tal como estou a tentar fazer a minha.
No que toca ao surgimento dos
caboverdianos, e face ao contexto histórico dos Estados
africanos, verifica-se alguma falta de clareza nas
suas relações. Quando olho para a Guiné-Bissau e para Cabo
Verde, apercebo-me que estes dois países/povos da
África Ocidental têm raízes submersas, que não permitem uma clara
compreensão dos factos e ideias comuns entre guineenses e caboverdianos.
A descoberta oficial de Cabo Verde ocorreu
no século XV (1455/56), mas a sua autoria,
constitui um enigma, sendo atribuída a diferentes
personalidades: Alvise da Mosto “Cadamosto”, Vicente Dias, Diogo Gomes e
António Noli. Cabo Verde era, no momento da descoberta do
arquipélago, o nome do actual Senegal, por estar na ponta de
África e ser um cabo ou pedaço de terra bastante verde que
entra pelo mar (daí terem-lhe dado o nome de Cap
Vert ou Cabo Verde). Ao avançar um pouco mais no mar, os marinheiros encontraram
um conjunto de ilhas que, por estarem perto do “Cabo Verde”, receberam
o mesmo nome. A ilha que foi descoberta no mês de Maio recebeu
o nome de ilha de Maio; a que foi descoberta no dia de S.
Tiago foi ilha de S. Tiago; a que tinha o terreno com
muito sal ficou ilha do Sal; a outra por ser bonita de
longe passou a ser a ilha da Boa Vista, etc. Parte-se,
supostamente, do princípio de que não vivia ninguém no arquipélago de
Cabo Verde quando os portugueses lá chegaram, no entanto, existe a
hipótese de que estas ilhas já teriam sido ocupadas por
habitantes da Costa de África, em especial Manjacos (da Guiné-Bissau)
e Lebus/“Lebuns” (pescadores da Costa do Senegal). A
verdade é que, quando os portugueses encontraram as
ilhas de Cabo Verde, disseram que estas estavam
desabitadas e começaram a ser utilizadas como ponto de apoio
ao comércio triangular[1]: os seus habitantes actuais são,
sobretudo, descendentes dos escravos vindos da actual Guiné-Bissau (Cabral,
2008: 129-131; Djaló, 2012: 139-149; Lara, 2000: 67; Lopes, 1982: 20; 1999:
33-34; Mendes, 2010: 18-19).
Outro dos factores associados com a origem
de Cabo Verde foi a necessidade de criar um Sistema de Segurança
Geoestratégica dos Portugueses face a algumas revoltas na sub-região
africana, em particular, na própria Guiné. Portugal precisava de um espaço
seguro para se proteger e armazenar os seus
escravos, e Cabo Verde oferecia-lhe essas condições. O facto de ser um
território no meio do Oceano Atlântico oferece
uma enorme segurança e tranquilidade.
O facto de os guineenses estarem
na origem dos primeiros habitantes de Cabo Verde é um
indicador que nos ajuda a perceber a razão pela qual, ao longo dos
séculos, os dois países foram governados, muitas vezes,
pelos mesmos Governadores com residência na Praia, em Cabo
Verde. Este aspecto relaciona-se também com o facto de a Guiné-Bissau e Cabo
Verde serem os dois países da Comunidade dos Países da Língua
Portuguesa (CPLP) onde a língua crioula é a mais
falada e utilizada. Presume-se que o crioulo tenha sido desenvolvido
pelo contacto entre os portugueses e povos do Golfo da Guiné (principalmente
as etnias Mandinga e Fula), ainda antes da
chegada “oficial” de Portugal ao território da
actual Guiné-Bissau, sendo depois levado para as ilhas de Cabo Verde pelos
escravos guineenses. Todos os dados indicam que foram os escravos guineenses
que deram origem à atual população de Cabo Verde e, por
consequência, ao crioulo que hoje é uma das línguas
oficiais do arquipélago, a par da língua portuguesa. Mais
tarde, o crioulo terá sido transportado para S. Tomé e Príncipe por
colonos portugueses que usavam trabalhadores caboverdianos
como quadros administrativos para as outras colónias (Cabral,
2008: 127-131; Cardoso, 1989: 52; Bull, 1989: 57; Kosta, 2007: 187; Lara, 2000:
101; Lopes, 1982: 20, 63, 87-88; 2005: 26; Mendes, 2010: 19-20).
Caríssimos leitores, no próximo
post, irei abordar o tema do surgimento dos crioulos da
Guiné-Bissau e de Cabo Verde.
Para mais informações, consultar o meu
livro: Mendes, Livonildo Francisco (2015). Modelo Político Unificador -
Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau (pp. 104-116, 169).
Lisboa: Chiado Editora.
[1] Chama-se comércio triangular devido
ao percurso que os traficantes de escravos faziam da Europa para África e
desta para a América, regressando de novo para a Europa (o percurso
era em forma de um triângulo, daí advém o seu nome de comércio
triangular); mas também pode ser chamado de tráfico negreiro,
tendo em conta que eram os negros ou africanos que eram traficados ao
longo destas rotas (Kosta, 2007: 218; Lara, 2000: 39).
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