Caros leitores, leiam este post se querem saber
o que pensaria Amílcar Cabral sobre
o que os seus pseudo-seguidores, defensores, porta-vozes – «os neo-cabralistas» - dizem de/sobre ele e propõem
para África/Guiné-Bissau. Este tema exige um estudo sério e não um cocktail gratuito de insultos de pessoas que usam o nome de
Amílcar Cabral e do PAIGC para garantirem a sua
sobrevivência. Embora eu tenha estudado em Portugal, eu não faço parte daqueles
africanos/guineenses que passam toda a sua vida nas Universidades estrangeiras
(europeias) – «licenciatura, mestrado, doutoramento, etc.», – sem terem
estudado a realidade do seu continente/país. O insulto, a inveja, a incompetência e a violência não podem nunca ser confundidos com mérito. Não sou neo-cabralista e
nem tão pouco o meu sucesso depende
do cabralismo ou do PAIGC. Isto não quer
dizer que sou contra Cabral ou contra o PAIGC – significa que defendo uma posição construtiva e imparcial,
livre de “rabos-de-palha” (ou seja, cunhas, filiações partidárias, favores,
etc.).
No que concerne a resolução dos problemas da Guiné-Bissau,
muitos “neo-cabralistas” têm defendido
a sua resolução através de intervenções
internacionais. O historiador Julião
Soares Sousa (Comunicação Pessoal, 27-04-2010), por exemplo, apresentou algumas propostas de mudança
para a estabilidade político-militar
e bem-estar da Guiné-Bissau. Como historiador,
defendeu que a Democracia guineense deveria ser suspensa durante 10 anos, e
que o país deveria ser entregue às
Nações Unidas (N.U.) durante esse período,
para que a Guiné-Bissau pudesse estabilizar-se
(Sousa, 2012: 25, 103-104, 180). Este
ponto de vista de Julião Sousa, além de não ser novo, também não
constitui uma ideia isolada, porque há
outros guineenses que partilham
esta posição.
Em primeiro lugar, o historiador Leopoldo Amado tem vindo a defender, publicamente, a ideia de que
a Comunidade Internacional deveria
ponderar seriamente a possibilidade
de a Guiné-Bissau passar à gestão das
Nações Unidas por um período entre 8
a 10 anos, como uma espécie de
protectorado e, só então, proceder-se à
transferência de Poderes através de eleições
(Público,
24-10-2004).
Em segundo lugar, o
jornalista António Pedro da Góia «Tonigoía»,
que pretende reunir, pelo menos, 10 mil assinaturas
para apresentar uma petição ao
representante especial do Secretário-Geral
das Nações Unidas no país (Miguel
Trovoada), para as Nações Unidas
assumirem a gestão da Guiné-Bissau
durante 20 anos, à semelhança do que aconteceu com Timor-Leste (Voz de América, 07-10-2015).
E, em terceiro lugar, o
sociólogo-historiador Carlos Lopes, argumenta
que os acontecimentos em curso na Guiné-Bissau influenciaram muito o governo de Carlos Domingos Gomes, Jr. a assinar um contrato
com o governo angolano para a
presença das suas tropas no
território guineense. Carlos Lopes defende que não basta só a solidariedade - os esforços para transformar um país tão débil têm de ser gigantescos. No caso de alguns países, existe um conjunto de “campeões” ou bons padrinhos. Na Costa do
Marfim e no Senegal, por
exemplo, sabemos que a França não
deixará cair esses países (o Mali também se inclui neste caso). Já no caso da
Guiné-Bissau, Portugal poderia eventualmente mobilizar algumas forças
colaterais, nomeadamente na União
Europeia, mas não mais do que isso. Segundo Lopes, Angola poderia ser esse
campeão da Guiné-Bissau, porque lhe
é mais fácil mandar tropas e dispor
dos meios necessários. Sendo assim, essas equações acabaram por ser estudadas
e implementadas (Foreign Policy/Edição
FP, 01-2010: 71-72).
Como Sociólogo-Politicólogo afirmo que os neo-cabralistas olham ainda para a Democracia da mesma forma que Amílcar Cabral encarava a Democracia. Isto porque Amílcar
Cabral estava contra a Democracia
como regime político. De acordo com ele, referindo-se
à Democracia na Grécia: a «Democracia para eles era só para os de cima,
eles é que eram o povo, os outros eram escravos. Até hoje é a mesma coisa em
muitos lados. Quem tem a força na mão, o Poder, faz a Democracia para ele»
(Cabral, 1983: 111). Por esta via, Oscar
Oramas (1998: 143) recorda-nos o sorriso irónico de Amílcar Cabral em algumas ocasiões, em que dizia: «sou
um ditador democrático, pois tomo
decisões e delas informo os meus companheiros». Na mesma ordem de ideias, muitos neo-cabralistas
& pró-PAIGC acham que a Democracia é o principal responsável pelo mal-estar
de Guiné-Bissau/África.
Com base nesta ordem de ideias aconselho, pelo rigor científico e por humildade
política, os neo-cabralistas a repensar
as suas posições. A ideia de suspender a Democracia foi inspirada pela ironia de Manuela Ferreira Leite
que, ao tentar explicar por que falham os governos portugueses, acabou
por dizer que «mais vale suspender por mais de seis meses a Democracia em
Portugal para se poder fazer todas as reformas necessárias e só depois, então,
repô-la». Mas, se os neo-cabralistas tivessem
acesso às lições de Agostinho Guedes, aconselhariam os guineenses para que mantivessem o regime político
democrático. Porque suspender a Democracia significa
suspender o respeito que é devido a cada um dos cidadãos da Guiné-Bissau. Hoje existe algum consenso à volta da ideia de que qualquer regime político democrático
assenta em três valores: a
liberdade, a igualdade e a solidariedade. Cada
guineense tem o direito de ser
respeitado, na sua individualidade
e na sua liberdade, mas tem também o dever de respeitar o seu próximo, na sua individualidade e
liberdade – este é o fundamento ético
da Democracia como regime político mais
difundido e abraçado do mundo,
tendo em conta o artigo-1º, 24º da
CRGB e do artigo-1º, 13º da CRP
(Fernandes, 2004: 84-86, 94-95, 101-104, 110-114; Jornal de Notícias,
19-11-2008; Público, 28-05-2013).
Nesta linha de pensamento, fica explicado que o PAIGC e os defensores do neo-cabralismo usam a Democracia como “marioneta” para fazer
valer as suas intenções, silenciando de forma progressiva a esmagadora
maioria dos cidadãos guineenses. Por esta razão defendo que a aproximação dos defensores do PAIGC e dos neo-cabralistas à política pode, neste
sentido, representar algum perigo.
Por que os guineenses defensores do
PAIGC e os neo-cabralistas olham
para a Democracia como um produto da
modernidade, como algo importado do
Ocidente, mas esquecem-se que a própria Democracia é muito mais antiga
que o PAIGC e que Amílcar Cabral. Até porque desde Aristóteles
(384-322 a.C.) até ao contexto actual não é consensual a ideia de que a
Democracia seja um regime político típico
do Ocidente. E tudo dá entender que a Democracia tem a sua origem em alguns países de África/Médio Oriente – «Egipto, Líbano, Líbia, Síria,
Irão, Iraque, etc.» – que são alvos
de perseguição das principais
potências ocidentais
(Mendes, 2010: 40-62).
Um outro aproveitamento
paradoxal que existe da filosofia de
Amílcar Cabral prende-se com a
intervenção militar. Amílcar Cabral garante-nos
que «[…] nem tampouco consideramos necessária a medida radical do envio de
tropas da ONU para o nosso país […] porque
estamos seguros de o poder fazer nós próprios do PAIGC […] lutar unicamente
pelos nossos próprios meios (Cabral, 2008: 94, 101-104). Mas os neo-cabralistas
não perceberam que a participação de militares cubanos ao
lado do PAIGC na luta armada contra
o colonialismo português constitui
um grande contra-senso na posição de
Amílcar Cabral. Este esconde o medo
de que uma intervenção das N.U. para
a manutenção da paz trouxesse
consigo o risco da sua morte, tal
como sucedeu no Congo em 1961 com o assassinato de Patrice Lumumba (Mendes,
2015: 240, Nota de rodapé-86; Oramas, 1998: 79-91, 116-117; Silva, 2010:
165-180).
Estes factos evidenciam um grande
paradoxo porque, se Amílcar Cabral contribuiu, em parte, com a sua filosofia político-militar,
para a desinstalação de Portugal na
Guiné-Bissau, então seria lógico que
se opusesse à ocupação da
Guiné-Bissau por uma outra potência
estrangeira, ainda mais quando se trata
da própria ONU, que ele já tinha
recusado em momentos de maior
dificuldade. Isto leva-nos a pensar que, se Amílcar Cabral fosse vivo, dificilmente estaria de acordo com os seus supostos seguidores neo-cabralistas (Cabral, 2008: 94, 101-104; Nóbrega,
2003: 165-166; Sousa, 2012: 25, 180).
Por outro lado, posso mesmo supor que muitos dos guineenses que defendem a filosofia de Amílcar Cabral,
fazem-no, não porque concordam com ela,
mas porque tentam deste modo de esconder as suas antipatias face a Portugal e aos portugueses. Portanto,
infelizmente, parece-me que
muitos dos neo-cabralistas que escrevem e falam sobre Cabral nunca leram as suas obras
e os seus discursos, acabando por
apresentar visões distorcidas e pouco fiéis ao passado, sem distinção
entre aspectos negativos dos positivos.
Para mais informações, consultar o
meu livro: Mendes, Livonildo Francisco (2015). Modelo Político Unificador – Novo Paradigma de Governação na
Guiné-Bissau (pp. 188, 218-219, 240-241, 268-269, 460). Lisboa: Chiado
Editora.
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