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sexta-feira, 4 de março de 2016

Análise da crise política na Guiné-Bissau e o impacto da declaração do chefe das Forças Armadas

Caros leitores, este post tem como finalidade a criação de debate sobre o contexto actual da crise política guineense, com base em dois pontos. No primeiro ponto, analiso de forma imparcial as duas alas em confronto na actual crise, apresentando os seus objectivos principais e possíveis consequências. No segundo ponto, analiso o impacto que a declaração do CEMGFA (Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas) da Guiné-Bissau poderá ter no agravamento da instabilidade política.

Primeiro ponto. Há uma clara responsabilidade do PAIGC como “cabeça do polvo” e dos seus colaboradores (em especial, quadros intelectuais guineenses) pelo clima de tensão político-militar que o povo da Guiné-Bissau está sofrer. Contudo, dentro deste PAIGC, que saiu vencedor das últimas eleições legislativas (e presidenciais), existem duas alas com posições opostas.
A ala “pró-DSP (Domingos Simões Pereira «ex-Primeiro-Ministro»)” está usar as mesmas técnicas que o ex-PM (Primeiro-Ministro) Carlos Domingos Gomes Júnior «Cadogo Jr.» usou contra o ex-PR (Presidente da República) Nino Vieira. Está explícito que DSP, o Governo de Carlos Correia Cipriano Cassamá (com a esmagadora maioria dos Deputados do PAIGC) estão em consonância. Esta ala quer uma solução que passa pela realização de novas eleições legislativas, onde o DSP será o candidato natural do PAIGC e sairá seguramente como vencedor para ser proposto como novo PM. Neste caso, se DSP for PM, o destino de Jomav (José Mário Vaz «PR») estará traçado – a sua posição ficará em causa e DSP poderá sair vitorioso, tal como Cadogo Jr., saiu vitorioso face a Nino Vieira e Malam Bacai Sanha «ex-PR». Neste caso, para retirar DSP do Poder, a única estratégia possível será recorrer ao método que o PAIGC usou anteriormente, ou seja, utilizar alguém como marioneta, tal como fizeram com o ex-PR Kumba Ialá, ex-PR Serifo Nhamadjo e os militares que fizeram o golpe de 12 de Abril de 2012[1]. Em suma, a ascensão de DSP implica a queda de Jomav e pressupõe que só estratégias mais extremas poderão retirá-lo do Poder.
Relativamente à ala “pró-Jomav”, o seu objectivo é evitar tudo o que DSP quer, ou seja, evitar novas eleições enquanto DSP for presidente do PAIGC. Está implícito que Jomav, o PRS e os 15 Deputados expulsos do PAIGC estão em consonância neste aspecto. Esta ala pretende que o resultado do impasse seja decidido a favor dos 15 Deputados, o que levará inevitavelmente a um recuo de DSP, tal como Jomav recuou face à nomeação inconstitucional de Baciro Djá como PM (sendo obrigado a aceitar os condicionalismos de DSP e do PAIGC na nomeação de Carlos Correia como PM). Esta atitude vai implicar, provavelmente, a queda do Governo de Carlos Correia, na medida em que os 15 Deputados e o PRS vão querer uma nova votação do programa do Governo, com a intenção de chumbá-lo (como aconteceu na primeira votação). Jomav quer encostar, pouco a pouco, a ala pró-DSP à parede, de forma a legitimar a criação de um Governo de Iniciativa Presidencial «GIP», que sirva os seus propósitos, e fazendo um compasso de espera política até ao afastamento total de DSP no congresso do PAIGC.
Segundo ponto. O CEMGFA (Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas) da Guiné-Bissau denunciou ontem tentativas de aliciamento de militares para “criarem confusão” no país, no sentido de criar um golpe de Estado. O general Biaguê Nan Tan afirmou que não vai tolerar este tipo de situação: “Vou avisando: não tenho prisão para colocar o soldado que tentar dar um golpe de Estado. O seu lugar será no cemitério. Comigo aqui não há lugar para golpes” (RTP Notícias, 03-03-2016).
Este discurso tem duas vertentes: por um lado, o CEMGFA está certo ao afirmar que terá tolerância zero perante qualquer tentativa de desobediência ou insurreição. Ou seja, vai ao encontro da prevenção da “Beowulfização” Política na Guiné-Bissau (o pacto entre o Poder político e o Poder militar), e encaixa perfeitamente na ideia de que «toda a instituição política que repouse na força armada ou que conte com ela para a sua conservação é tirânica; e todo o povo que a tolere é cúmplice da tirania» (Mannequin, 1870 citado por Kosta, 2007: 697). Por outro lado, o CEMGFA está errado pela forma como fez esta declaração, por três motivos: em primeiro lugar, ele não denunciou as pessoas que estão a aliciar os militares, o que abre espaço à distorção e especulação, criando ainda mais incerteza e instabilidade[2]; em segundo lugar, um CEMGFA não deve ameaçar de morte os conspiradores (“não tenho prisão para colocar o soldado que tentar dar um golpe de Estado. O seu lugar será no cemitério”), mas sim denunciá-los à justiça, sabendo que não existe, formalmente, pena de morte na Guiné-Bissau; em terceiro lugar, é preciso recordar a Biaguê Nan Tan que muitos outros CEMGFA já tinham proferido discursos deste género, e o fim deles foi sempre trágico. Fica implícito que qualquer pessoa que pense em organizar um golpe de Estado estará condenada à morte. Além disso, esta declaração abre espaço a interpretações das duas alas, visando diferentes destinatários: se se considerar que a ala pró-Jomav tem razão, então a mensagem dirige-se contra a ala pró-DSP; se se considerar que a ala pró-DSP tem razão, então a mensagem é dirigida contra a ala pró-Jomav. Se o CEMGFA não esclarecer as suas ideias, qualquer um pode utilizá-las a seu favor.
Apelo para que alguma entidade competente o aconselhe a corrigir publicamente o seu discurso, porque isto tem implicações muito fortes.
DSP, Jomav, PRS, os 15 Deputados expulsos, PAIGC, Cipriano Cassamá, Carlos Correiaveteranos de guerra e CEMGFA devem reunir urgentemente e seriamente para encontrar uma solução pacífica e duradoura, porque todos eles têm responsabilidade na situação que a Guiné-Bissau está a atravessar.
Para mais informações, consultar o meu livro: Mendes, Livonildo Francisco (2015). Modelo Político Unificador – Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau (pp. 185-187, 415). Lisboa: Chiado Editora.




[1] Kumba Ialá (ex-PR) e os militares a favor do ex-CEMGFA António Indjai foram responsabilizados por este golpe de 12 de Abril, no entanto, a maioria dos guineenses não sabia que um dos sectores da cúpula do PAIGC esteve profundamente ligado a este acontecimento. Neste sentido, podemos supor que o golpe foi feito para compensar Kumba Yalá pelos dois anos de mandato presidencial que lhe faltavam quando foi derrubado em 2003, e para compensar também os que estavam contra a facção de Cadogo Jr. (entre os quais se inclui Serifo Nhamadjo).

[2] A este propósito, posso referir também o caso do ex-CEMGFA Baptista Tagme Na Waie que afirmava que “se ele morresse de manhã, Nino Vieira morreria à tarde”; ou seja: se ele morresse horas antes, Nino Vieira morreria horas depois. A análise deste discurso foi muito bem aproveitada pelos militares (em especial Balantas que queriam vingar-se do Nino Vieira por causa das atrocidades que ele tinha infligido aos chefes Balantas), que interpretaram as palavras do ex-CEMGFA como uma ameaça contra Nino Vieira. Este discurso predispunha que Nino Vieira fosse assassinado, se acontecesse alguma coisa ao ex-CEMGFA, o que acabou por acontecer (a 2 de Março de 2009, quando Nino Vieira foi assassinado na sequência do assassinato do ex-CEMGFA, um dia antes). Para mim, como Sociólogo e Politicólogo guineense, as palavras de Tagme Na Waie deveriam ter sido interpretadas de outra forma: significavam que quem quisesse matar Nino Vieira teria de matá-lo (Tagme Na Waie) primeiro a ele, por este (Tagme Na Waie) ser uma garantia da segurança daquele (Nino Vieira) (Cardoso, 1995: 269; Mendes, 2010: 65-66; Silva, 2010: 249-256; Rodrigues & Handem, 2009: 196-202; Sousa, 2012: 22-41, 49-55, 58-89).

2 comentários:

  1. Esta é a verdade nua e crua da realidade que se vive no País.
    Mas em tudo isto, na minha óptica o único resposável de tudo isto, é o presidente da república,ao destapar una suposta corrupçao governativa que nao consegue aportar todos os elementos indispensáveis. Daí que a análise feita devia centrar-se mais nas razoes que motivaram a sua excelencia PR a destituir o goberno de DSP, que talvez nao veio a tona.

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  2. Caro Anónimo, muito obrigado pelo seu comentário. Tal como disse no post, creio que não existe apenas um culpado para a situação que se vive actualmente - a situação é demasiado complexa. Quanto às razões que levaram o PR a destituir o Governo de DSP, este é um tema que tenho vindo a analisar, no entanto, é uma questão demasiado vasta para caber num simples blogue. Espero que possa ler no futuro mais um trabalho publicado por mim onde estarão incluídas estas análises completas. Conto consigo para continuar a ler e comentar o blogue.

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