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sexta-feira, 3 de junho de 2016

Falhas e avisos sérios: primeiras considerações sobre o Governo de Baciro Djá

Caros leitores, hoje trago-vos as minhas primeiras considerações sobre o novo elenco governamental liderado por Baciro Djá. No último post, disse que era cedo para me pronunciar, mas agora já há alguns comentários a fazer. Apenas um dia depois da tomada de posse, posso já apontar cinco falhas a este executivo: quatro delas são habituais e já não constituem novidade; a quinta é extremamente perigosa e pode constituir um mau presságio para este novo Governo (e para o próprio Presidente da República «PR»). Aproveito também neste post, e face a este cenário, volto a apresentar algumas das propostas do meu Modelo Político de Governação relativamente ao número de elementos e à igualdade de género.
Primeira falha – O novo Governo é formado por 32 membros, entre 20 ministros e 12 secretários de Estado (RFI, 02-06-2016). Na situação em que a Guiné-Bissau se encontra, não faz sentido ter um Governo com esta dimensão, que implica gastos enormes e uma maior dispersão de recursos e tempo. Numa situação destas, quando se procura contentar a todos, é muito difícil evitar que se instale o sentimento de alguma frustração, sendo obrigatória a criação de um órgão que funcione como cláusula-travão para filtrar as propostas antes da sua chegada junto dos órgãos competentes (Keane, 2009: 39-41; Leão, 2001: 270). Se José Mário Vaz «Jomav» já se queixava do elevado número de membros do Governo, é difícil acreditar que esteja de acordo com este figurino. As áreas-chave que ele enumerou (salvação da campanha do cajú, a produção de arroz e o fornecimento de peixe às populações, água potável, energia eléctrica, melhor educação, serviços de saúde e infraestruturas sociais) parecem não bater certo com este enorme elenco Governativo (Voz da América, 03-06-2016). Este é um ponto do qual os seus opositores podem fazer um forte aproveitamento político.
No meu Modelo Político de Governação, os ministérios devem corresponder e articular-se com as Áreas de Especialistas que compõem o órgão consultivo das Áreas de Estudos – Órgão Consultivo Multidisciplinar Imparcial «AE-OCMI», tal como eu já referi de forma muito superficial num post anterior. No primeiro bloco do Modelo Político Unificador, o Governo guineense passará a funcionar com 8 ministérios, na expectativa de terem no máximo 10 secretarias de Estado que serão subdivididas em outras categorias administrativas. No segundo e terceiro bloco há uma “lipoaspiração governamental”, para ficarmos só com um dos órgãos – ou os ministérios ou as secretarias (entre 8 e 10). De preferência, com aqueles que apresentem menores custos e maior viabilidade para a estabilidade política da Guiné-Bissau.
Segunda falha – Dos 32 membros do Governo, apenas quatro são mulheres (uma ministra e três secretárias de Estado). Aliás, o único ministério liderado por uma mulher diz respeito à Mulher, Família e Coesão Social. Esta situação reflecte a grande desigualdade de género patente na sociedade guineense, profundamente desrespeitadora dos direitos das mulheres – tanto na Assembleia Nacional Popular «ANP», nos tribunais, nas Forças Armadas, etc. Colocar uma ministra apenas, e naquele lugar em particular, transmite a ideia de um preconceito latente que encara as mulheres como domésticas, quando, na realidade, há quadros femininos com grande potencial tanto na Guiné-Bissau como na diáspora.
No meu modelo, as mulheres deverão ocupar, preferencialmente, 50% dos lugares de topo, seja no Governo, na Administração Pública, ou em qualquer organismo, incluindo os privados. É necessária uma profunda mudança de mentalidades, em coerência com a mudança de discursos e de procedimentos práticos exemplares, para que a Guiné-Bissau possa alcançar o sucesso.
Terceira falha – Está a faltar ainda a escolha do nome para ocupar a pasta dos Negócios Estrangeiros, e a tomada de posse dos ministros dos Recursos Naturais e do Interior, que são áreas-chave. Espero que Baciro Djá não repita o mesmo erro de Carlos Correia, que tomou para si a pasta dos Recursos Naturais, sem nunca ter chegado a escolher um ministro. Baciro Djá, que está a ser nomeado Primeiro-Ministro «PM» pela segunda vez, e já estaria preparado para esta segunda nomeação, deveria ter uma lista pronta muito mais rapidamente.
        Quarta falha – O nome de Botche Candé foi apresentado como Ministro de Estado e do Interior, no entanto, este não chegou a tomar posse. Numa conferência de imprensa, Botche Candé disse ter sido convidado para o cargo pelo PR através de telefone, tendo respondido que não podia aceitar antes de consultar o seu partido. Apesar disso, afirmou que jamais trairia o seu partido, o PAIGC (ANG, 03-06-2016). Este caso levanta muitas dúvidas. Porque razão o PR José Mário Vaz «Jomav» contactou Botche Candé e não outra pessoa da confiança de Domingos Simões Pereira «DSP»? Porque razão não recusou, deixando que o seu nome constasse na lista para depois tornar o caso público? Será que Botche Candé não é uma das “toupeiras” de Jomav? De que lado está Botche Candé? Até quando DSP fechará os olhos e ouvidos ao facto de não ter verdadeiros aliados dentro do PAIGC? Será que Botche Candé também esteve barricado? Recomendo a todos a leitura da Arte da Guerra de Sun Tzu (em especial “A utilização de Espiões”) e, de Plutarco, Como tirar partido/proveito dos seus inimigos e Como distinguir um bajulador de um amigo.
Penso que Botche Candé não está a contar toda a verdade. É provável que tenha uma relação muito mais próxima com Jomav do que está a querer transmitir. Este convite e integração na lista, para um posto de alta responsabilidade, por parte de alguém que já o demitiu, revela uma forte confiança da parte de Jomav. A conferência de imprensa de Botche Candé poderá ser uma manobra de populismo para tentar enganar a ala pró-DSP, de forma a que não desconfiem do seu papel duplo no PAIGC. O maior gesto de solidariedade para com DSP seria barricar-se com o Governo demitido, e não andar em conversações com Jomav para integrar o Governo de Baciro Djá. Estou convencido que DSP deveria ponderar seriamente uma retirada estratégica, tal como já aconselhei.
Quinta falha e mais preocupante de todas - O PR entregou ontem um cheque da Agência de Cooperação Guiné-Bissau/Senegal no valor de 500 milhões de francos CFA ao PM Baciro Djá, para a construção de uma avenida com o nome do ex-PR João Bernardo Vieira «Nino Vieira», que ligará a Praça do Império à zona industrial de Bolola (ANG, 02-06-2016).
     Esta ideia de homenagear o ex-PR Nino Vieira não é nova: em Abril do ano passado, o actual presidente da ANP, Cipriano Cassamá, apresentou a proposta de construção de uma estátua do antigo dirigente [Nino Vieira] em Bissau, com o apoio de Cuba (GBissau, 30-04-2015). Estes dois factos reforçam a minha tese de que Cipriano Cassamá e Jomav estão em sintonia.
Tudo indica que Nino Vieira terá uma estátua e uma avenida em homenagem ao seu contributo para a pátria. Contudo, a sua morte, ainda por esclarecer, e o seu passado, que deixou feridas abertas, revelam que a sua figura provoca tensão na sociedade guineense, em especial pela forma como estes gestos podem ser recebidos por um certo sector da classe castrense e da sociedade em geral. É claro que Nino Vieira merece ser homenageado, no entanto, é necessário um consenso político-militar para ponderar as outras figuras que também deveriam ser homenageadas desta forma, para criar um ambiente mais pacífico e equilibrado. Neste momento, isto não é prioritário – há questões muito mais urgentes para resolver e esta iniciativa passa uma imagem muito duvidosa sobre as prioridades deste novo Governo. Desde quando o cheque se encontrava na posse de Jomav? É correcto entregar um cheque destes para iniciar a obra num período chuvoso da Guiné-Bissau? Parece que esta será uma tentativa de “puxar” os apoiantes do ex-PR Nino Vieira que ainda estão na ala pró-DSP. Receber apoio é muito bom, mas é preciso ser realista: não seria este dinheiro muito mais bem aproveitado numa escola, num hospital, nos quartéis, etc.? Além disso, há dúvida sobre o posicionamento de Macky Sall, este cheque pode ser um presente envenenado, tal como muitos outros que são “oferecidos” aos países em dificuldades. Este acto deve ser ponderado e corrigido, sob pena de ser utilizado para gerar ainda mais confusão, levando à queda do Governo e do próprio Jomav
Conclusão. Este Governo deve pautar-se pela moderação, reconciliação, diálogo e, na medida do possível, pela transparência junto da sociedade, da comunidade internacional e da comunicação social. Em relação ao Governo demitido, ainda barricado, sugiro que procure um entendimento, resolvendo a situação sem o recurso à força. Vou ponderar, num próximo post, apresentar um tipo de Governo que poderá vir a criar estruturas para uma verdadeira modernização política da Guiné-Bissau.
Para mais informações, consultar o meu livro: Mendes, Livonildo Francisco (2015). Modelo Político Unificador - Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau (pp. 81, 86, 263, 434, 456-457, 462-463, 550). Lisboa: Chiado Editora.

2 comentários:

  1. Caro Amigo e compatriota. mais uma vez li esse trecho e fiquei orgulhoso por estar a ensinar-nos em como fazer a politica e administração do estado.

    Diante de tudo isso, gostaria de dizer o seguinte: Durante esses 42 anos de independência, o partido responsável pelo caus na Guiné-Bissau é o PAIGC com os seus dirigentes. porque todos os lideres do PAIGC que passaram na liderança antes da legislatura de 2014 não souberam fazer mudanças no estatuto e nos regulamentos que gere o funcionamento normal desse órgão. Mantendo um estatuto que está fora do prazo de uso, porque não está em conformidade com as exigências atuais. isso permitiu a mistura de indivíduos com fraca capacidade de liderança. albergando os oportunistas e vagabundos que não pensam na nação mas sim pelos seus interesses pessoais.
    Mas também, esse fenômeno não afetou simplesmente o PAIGC, mas todos os partidos ditos politicas acreditados na Guine-Bissau. se não vejamos, primeiro: poucos partidos políticos têm sede nacional. só aparecem na vista da população nos períodos eleitorais. tendo como sede as suas residencias.
    segundo: Nunca na guiné se ouve os comentários e sugestões dos adversários sobre os problemas do país. em todos meios de comunicação, esses políticos nunca apresentam soluções dos problemas mas sim só criticar.
    Terceiro: os ditos partidos políticos só têm pessoas que adoram Intrigas, Invejas, sangue-sugas, etc.
    Na minha maneira de pensar, esse é o fenômeno que devemos combater em primeiro lugar através do procedimento como tu andas a fazer.

    carro compatriota. espero terminar aqui o meu raciocínio. deixando aberto outras contribuições para o momento oportuno.

    Um bom dia e um abraço a todos seguidores.

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    1. Caro Simão Monteiro
      Muito obrigado pelo seu comentário e pela sua análise. De facto, o problema dos partidos na Guiné-Bissau é complexo e difícil de resolver. Em vários posts anteriores, e também no meu livro, tenho tratado deste tema. A minha teoria é de que não existem verdadeiros partidos políticos na Guiné-Bissau, do ponto de vista da Ciência Política pura e dura. Concordo plenamente consigo, porque o PAIGC é um partido-Estado, que se apropriou dos símbolos que deveriam ser da propriedade do Estado (bandeira, hino, forças armadas, Assembleia Nacional Popular, etc.). Na Democracia, nenhum partido deve ser detentor destes símbolos, que pertencem ao povo. Isto faz com que os outros partidos também não tenham o seu espaço de actuação e não se possam afirmar como verdadeiros partidos.
      Se tiver acesso ao que escrevi anteriormente, com certeza que perceberá que estamos em grande sintonia neste tema.

      Conto sempre com os seus contributos.

      Um abraço

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