Caros leitores, confesso-vos
que é muito difícil ajudar os políticos/governantes guineenses, mas Max Weber
aceita, mais uma vez, dar o seu feedeback face ao pragmatismo da política guineense, na primeira parte deste post. Recomendo,
por um lado, que façam uma leitura articulada com o post anterior. Na segunda parte, pretendo discutir, por outro lado, algumas questões relacionadas com o impacto do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça «STJ» a favor dos “15 deputados expulsos” do partido-Estado PAIGC.
Primeira parte: A entrega a uma causa (ligada à paixão) é
uma questão de fé, que pode ser dirigida a finalidades nacionais ou
humanitárias, sociais e éticas ou culturais, fé no progresso, etc. E a política é, na sua essência (ethos), uma causa. Mas,
como vimos no post anterior, a entrega a uma causa – ou paixão não é suficiente na política. Por isso
faz sentido introduzir agora as duas máximas opostas de Max Weber: a ética da convicção vs. a ética da responsabilidade.
Importa assinalar que Weber recusa a utilização de “éticas” para “ter razão”,
ou seja, para justificar ou “dar
desculpas” e considera que na política não se pode usar uma ética absoluta, sem pensar nas consequências (Weber, 1979: 75-99;
2005: 101-115).
Na
ética da convicção age-se por fé, por convicção a uma causa. O indivíduo procura agir “bem”, de acordo com a sua causa e deixa
o resultado “nas mãos de Deus”, ou
seja, fora das suas responsabilidades. Neste sentido, as consequências resultantes da sua acção não são culpa sua mas culpa dos outros (do mundo, de
Deus, etc.). A única coisa que interessa
é manter viva a fé na causa abraçada, e a
acção no sentido da sua prossecução, rejeitando meios moralmente perigosos
(ou opostos à causa).
Na
ética da responsabilidade, pelo contrário, o indivíduo preocupa-se com as
consequências da sua própria acção.
Neste sentido, aceita a irracionalidade
do mundo, tendo consciência que nem
sempre as boas acções resultam em coisas boas e as más acções em coisas más.
Neste sentido, pode ser legítimo
utilizar a violência, dependendo das circunstâncias
e das consequências previstas.
Aqui
reside o cerne dos problemas éticos da política: a
aceitação da violência legítima nas mãos de associações humanas. Nesta ordem de
ideias, Max Weber defende uma ética da responsabilidade, mais madura
e consciente (menos “fanática”). Mas assinala que as duas éticas não são realmente opostas mas complementares e que constituem, num homem autêntico, as condições para a “vocação política”. Para Max Weber, o político tem de conhecer muito bem os paradoxos éticos, sabendo de antemão que a escolha de meios violentos e da ética da responsabilidade implica um “pacto com o Diabo” e põe em causa a “salvação” da sua alma.
Uma vez que há
tarefas que só podem ser levadas a cabo mediante
a força, o político deve possuir uma ética de responsabilidade, que o
previna das consequências dos seus actos (Weber, 1979: 75-99; 2005: 101-115).
Segunda parte: Face
a estes pressupostos teóricos propostos por Weber, cabe-me agora colocar um
conjunto de questões que permitam
compreender os efeitos da recente decisão do Supremo Tribunal de Justiça «STJ»
da Guiné-Bissau. Qual a ética - «de
convicção ou de responsabilidade» - que tem sido aplicada com mais frequência no contexto político-militar da
Guiné-Bissau? Qual será o impacto da
decisão do Acórdão do STJ a favor dos 15 deputados expulsos do PAIGC? O regresso do ex-Presidente da República
«ex-PR» Interino está mexer com o xadrez
do Poder Judicial & Político da Guiné-Bissau? Os 15 deputados, o PR
José Mário Vaz «Jomav» e o PRS vão pedir as “cabeças dos derrotados”? Quais serão as cedências da ala do ex-Primeiro-Ministro «ex-PM» guineense,
Domingos Simões Pereira «DSP»? Como é que esta decisão afecta, por exemplo, a posição de Braima Camará na Câmara do Comércio e as relações entre a Federação de Futebol e o Governo?
Para contextualizar os leitores, começo por recordar que o STJ
declarou nula a expulsão dos 15 deputados
do PAIGC do Parlamento. Esta decisão assume particular relevância se tivermos
em conta que isto pode pôr em causa a
maioria absoluta do PAIGC no Parlamento, já que os deputados expulsos decidiram
aliar-se à oposição na discussão do
programa de governo (RTP Notícias, 05-04-2016). Perante esta decisão, DSP afirmou
que o seu partido ainda está à espera de
um esclarecimento do STJ para que se possa saber com clareza a quem
pertence o mandato: se aos 15 deputados ou se ao próprio partido. No entanto, o PAIGC mostrou-se disposto a acatar a
decisão do STJ. Os advogados do Parlamento disseram, por seu lado, que foram surpreendidos com a decisão do STJ,
e consideraram-na contraditória e pouco pedagógica (RFI, 06-04-2016).
Para o regresso à
normalidade, tanto DSP como o PAIGC terão de fazer muitas cedências. Para começar, DSP, enquanto líder do partido,
deve pedir desculpa aos 15
deputados, procurando reconciliar-se com
eles, com Jomav e com o PRS. Tal como vimos com Jacob Zuma na África do Sul (embora em circunstâncias muito
diferentes), um pedido de desculpas pode contribuir para a dignificação da sua postura política e humildade pessoal (Notícias ao Minuto, 01-04-2016). Além
disso, poderá ser benéfico realizar agora uma retirada estratégica da vida política, como é habitual (vimos isso,
por exemplo, em Portugal, com Paulo Portas, Spínola, Marcelo Rebelo de Sousa,
etc.). Nesta retirada, poderá aproveitar para dedicar-se aos estudos, à docência e aos comentários
políticos, mantendo assim um papel
de relevo na esfera pública. Chamo só a atenção para o perigo do comentário político, que tem duas vertentes, ou seja, é
uma faca de dois gumes: se correr
bem e for popular, pode ter grande
sucesso como aconteceu com o actual PR de Portugal; mas se correr mal e for
mal interpretado, pode cair em desgraça
como aconteceu com ex-PM José Sócrates. Caso DSP insista em permanecer no Poder,
poderá vir a ser afastado de forma muito negativa, como aconteceu com o ex-PM e
ex-presidente do PAIGC Carlos Domingos Gomes Júnior «Cadogo», correndo o risco de não ter oportunidade de
regressar ao desempenho de funções políticas relevantes.
Mas atenção caros leitores: Jomav também tem um papel
importante a desempenhar neste processo de normalização. Sendo o mais experiente,
tem a obrigação de tomar iniciativa
e trabalhar seriamente para que o problema se resolva, de forma mais eficaz do que tem feito até agora.
Para concluir, resta-me
apelar para uma reflexão sobre as
questões que deixei em aberto e para a adopção mais frequente de uma ética da responsabilidade, no sentido
de ter em consideração as consequências
que advêm das decisões tomadas.
Para mais informações,
consultar o meu livro: Mendes, Livonildo Francisco (2015). Modelo Político Unificador – Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau (pp. 85-86). Lisboa: Chiado Editora.
Peço desculpa, mas não é um comentário, antes uma rectificação, a saber, "Cadogozinho" chama-se Carlos Gomes Júnior e não Carlos Domingos Gomes Júnior como é referido por lapso no texto.
ResponderEliminarParabéns, pela análise, embora discorde das conclusões, mas este é de facto o caminho que os Players políticos Bissau-guineenses deviam seguir, o da ética da responsabilidade, suportado numa análise político-científica da realidade nacional e privilegiando os interesses da NAÇÃO com imparcialidade.
Caro leitor "DET", agradeço muito o seu comentário, em particular a rectificação. Neste caso, não faz muito sentido chamar-lhe Cadogo como ao pai (CA-Carlos, DO-Domingos, GO-Gomes). Vou tentar certificar-me deste facto. É natural que discorde de alguns aspectos mas estamos plenamente de acordo em relação aos caminhos a seguir. Conto com mais comentários seus. Os meus melhores cumprimentos
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